Rei das pegadinhas falsas: governo Lula escala João Kléber para aumentar popularidade
O governo Lula 3 tem se notabilizado por reabilitar figuras controversas (José Dirceu, Dilma Rousseff, Delúbio Soares, André Vargas). Desta vez, porém, o petismo surpreendeu.
O mais novo garoto-propaganda do presidente é o apresentador João Kléber — conhecido como símbolo das pegadinhas falsas e líder, durante anos, do “ranking da baixaria na TV”, promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
A escolha faz parte de uma guinada estratégica da Secretaria de Comunicação Social (Secom), que já mira a campanha para as eleições de 2026. Sob o comando do marqueteiro Sidônio Palmeira, a pasta aposta no ambiente digital, no discurso de soberania nacional e num pacote de publicidade estimado em bilhões de reais.
A estreia de João Kléber, de 68 anos, foi marcada por um vídeo viral inspirado em seu formato mais famoso, o obsceno “Teste de Fidelidade”. Nas ruas de Osasco (SP), ele aborda pedestres com perguntas como “Pix ou cartão de crédito?”, “novela brasileira ou mexicana?”, “cachorro caramelo ou de raça?”.
A mensagem é clara: em meio à crise do tarifaço, é importante separar quem é “fiel ao nosso país” ou “vai dar aquela escapadinha para o lado de fora” (para citar as palavras do próprio roteiro do vídeo).
Procurada pela reportagem da Gazeta do Povo, a Secom negou ter pago cachê a João Kléber. A pasta informou que a peça “foi um projeto ofertado de forma bonificada pelo Kwai, em decorrência da compra de espaços” na plataforma de vídeos chinesa.
Na prática o governo comprou publicidade do Kwai e, como contrapartida, a empresa produziu um conteúdo adicional. O vídeo, porém, segue integralmente a estratégia de comunicação do governo e foi divulgado em canais oficiais do Planalto.
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Ex-assessora de João Campos no comando das redes
Lançado em agosto, o novo lema da gestão — “Governo do Brasil, do lado do povo brasileiro” — abandona o tom conciliador do slogan anterior (“União e Reconstrução”) e adota uma narrativa de confronto.
O conceito é baseado em três pilares: defesa da soberania nacional (frente aos EUA e à interferência das big techs), luta contra os privilégios dos “super ricos” (incluindo a campanha de taxação para bilionários, bancos e bets) e o cuidado com as pessoas (programas sociais).
Para sustentar esse discurso, o governo turbinou sua máquina publicitária com recursos inchados. O orçamento total previsto apenas para 2025 alcança R$ 3,5 bilhões e envolve 21 órgãos federais.
Para se ter uma ideia, Lula gastou R$ 4,1 bilhões nos dois primeiros anos deste terceiro mandato — um aumento de 31% em relação aos R$ 3,1 bilhões gastos por Bolsonaro no mesmo período.
Outra novidade é uma atenção maior ao ambiente digital, área sob responsabilidade da socióloga Mariah Queiroz. Nomeada no início do ano para o cargo de secretária de Estratégia e Redes da Presidência da República, ela ficou conhecida por assessorar João Campos (PSB), o prefeito “jovem” de Recife, que tem 3 milhões de seguidores somente no Instagram.
Desde então, a Secom mais que dobrou os gastos com publicidade na internet. Foram R$ 69 milhões desde janeiro de 2025 — um crescimento de 110% em comparação ao mesmo período de 2024.
Exploração do sofrimento e exposição da intimidade
A contratação de João Kléber pelo Planalto expõe pelo menos três contradições políticas e éticas. A primeira, e mais gritante, dá conta de que os petistas se posicionam como inimigos das fake news, mas escolheram justamente um apresentador famoso por exibir quadros obviamente encenados.
A segunda é o fato de que um governo dito “popular” agora trabalha com um artista acusado de transformar as vulnerabilidades das pessoas em entretenimento televisivo.
Na década passada, os relatórios da campanha “Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania”, promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara, descreviam seus programas como exemplos de “exploração do sofrimento sem subterfúgios” e “exposição da intimidade para dramatização e banalização”.
Coordenador da iniciativa, o ex-deputado paulista Orlando Fantazzini afirmou que Kléber representava uma televisão “totalmente descompromissada com a construção da cidadania” e centrada apenas em “interesses econômicos”. Por ironia, Fantazzini era filiado ao PT naquela época.
“Entretenimento, não jornalismo”
Os documentos da campanha ainda denunciavam episódios especialmente polêmicos das atrações comandadas por João Kléber. Como o caso do homem que tentou vender a própria esposa grávida por estar endividado, o da mãe que revelou ao vivo qual dos filhos era adotado e o da mulher que admitiu ter se prostituído para comprar um cheeseburger.
Atualmente à frente do “Para Aqui!”, exibido aos domingos na RedeTV!, o comunicador costuma se defender afirmando que faz “entretenimento, não jornalismo” — e compara seus programas a “folhetins populares”, como as novelas.
Segundo ele, parte dos conteúdos é produzida/encenada por necessidade (logística, desistências, documentação), e seu objetivo sempre foi prender e divertir a audiência.
Em uma reflexão mais geral sobre a época do “ranking da baixaria”, João Kléber admite: “Muitas coisas que fiz ali eu não precisaria fazer”. “Se isso está incomodando, se isso está exagerado, eu peço desculpa, eu vou tentar reformular”, completa.
Fernando Collor e PC Farias
A terceira contradição é histórica: ao contratar Kléber, o PT ignora uma dura derrota de seu líder máximo. Afinal, o apresentador participou ativamente das eleições de 1989, quando foi um dos poucos artistas engajados na campanha de Fernando Collor de Mello.
A disputa midiática daquele ano também foi marcada pela exposição, na propaganda de Collor, do relacionamento de Lula com a ex-namorada Miriam Cordeiro — que acusou o petista de propor o aborto da filha dos dois, Lurian (hoje assessora parlamentar do PT na Câmara).
A ligação de João Kléber com o círculo de Fernando Collor ultrapassava a parceria profissional. Além de ser amigo do ex-presidente, ele foi casado durante nove anos com Wania Barros, ex-namorada de PC Farias, figura central no esquema de corrupção que levou ao impeachment de Collor.
Aqui vale destacar outro dado irônico: o casamento terminou quando o apresentador descobriu estar sendo traído por ela com um dos atores do quadro “Teste de Fidelidade”.
Mais tarde, Kléber afirmou que a aproximação com a política “foi o maior erro da sua vida”, pois a imprensa associou seu nome aos problemas do governo Collor e ele acabou perdendo trabalhos por isso.
Mas a ironia final dessa história foi antecipada, há 15 anos, pelo próprio João Kléber. Em uma entrevista à emissora RTP, de Portugal, o apresentador usou de suas habilidades como imitador, e uma boa dose de sarcasmo, para comentar uma recente visita de Lula ao continente europeu.
“O Lula é um cara muito preparado, você sabe que ele veio do povo. Ele estudou só até o primário. O Lula disse que, só nesta semana, visitou três países da Europa: Inglaterra, Grã-Bretanha e Reino Unido. E, quando a aeromoça disse que em Londres a temperatura era de zero grau, ele respondeu: ‘Que bom, não está nem frio, nem quente’. Para você ver como estamos bem no Brasil. E ele teve dois mandatos!"
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